terça-feira, 2 de junho de 2009

SÍNDROME DO PÂNICO

SÍNDROME DO PÂNICO I - A ESTRÉIA

22/09/2008 - 16h13m


“A cura do Transtorno do Pânico é relativa em medicina, pois depende de vários fatores ainda em estudo, mas, segundo recentes pesquisas, acontecem em 20% dos casos diagnosticados e tratados, em média, após sete anos sem sintomas.”

“Transtorno do Pânico cura sim, porque ele quase sempre é uma reação do seu organismo uma situação estressante cuja saída envolve decisões importantes, perdas afetivas, financeiras, mudanças de estilo de vida, etc. Por isso recomendamos algumas medidas além da medicação. Entre elas uma forma de psicoterapia, ou Yoga ou Meditação, dependendo do caso.”

“Na fenda pós sináptica a condução do impulso é feita normalmente por neurotransmissores. A serotonina que é um neurotransmissor é responsável pela condução das idéias, emoções, ações. E esta aos poucos vai se embora pela corrente sangüínea logo depois de cumprir sua missão, mandar o impulso (estímulo) ao outro neurônio. Este esgotamento de serotonina leva os quadros de depressões, ou cansaço, ou inibição de ações. Por isso, utilizar os recaptadores de serotonina na fenda pós sináptica nos casos de depressão reativa, síndrome do pânico e fobias.”

“Síndrome do Pânico não é uma doença do cérebro causada por algum ‘defeito da Serotonina’. Quase ninguém precisa medicação ‘para o resto da vida’.”


Como dá para notar, até hoje ninguém se entende sobre o que seja a Síndrome ou Transtorno do Pânico. Se dois dos mais badalados sites psiquiátricos a respeito do tema são tão discordantes, faz-se idéia da quantidade de curiosos que usam suas “técnicas” com um universo de pessoas que corresponde a 4% da população, sendo que nem mesmo essa percentagem é confiável, em função de muitos “especialistas” ainda trocarem as bolas, confundindo panicados com depressivos, bipolares e por aí afora.

Eu me considero um “pioneiro” na matéria. Meu primeiro grande ataque de pânico fez 30 anos em janeiro. Recentemente eu consegui lembrar e identificar alguns outros ataques anteriores, mas muito esporádicos, que não foram levados a sério por mim, como o do dia em que experimentei maconha, certamente um dos mais agudos, mas cujos sintomas foram por mim atribuídos à “erva”. Nem me dei conta de que os amigos que fumavam sempre apresentavam sintomas totalmente opostos, ficavam tranqüilos e com caras de bundões – numa boa, como diziam. Mas o pânico veio mesmo para ficar em 1978, durante o almoço em um boteco no Jacaré, do lado da fábrica de escovas que eu acabara de herdar de meu pai, morto em um assalto à mesma em setembro de 1977.

Naquele início de tarde eu estava tentando buscar coragem para tentar voltar à fábrica depois de um senhor almoço. Lembro-me bem, foram três costeletas de porco, couve picadinha, arroz, feijão e farofa, tudo em quantidades industriais. Dona Júlia, uma portuguesa baixinha e simpática, dona e cozinheira do boteco, não sei por que cargas d’água me adorava - deve ser o meu jeitinho de maior carente - e fazia sempre minhas vontades, como preparar bifinhos especiais em dia de peixe, além de me entupir de comida, muito bem-feita por sinal.

Estávamos, eu e Sérgio, o contador da fábrica, terminando a segunda garrafa de cerveja - de praxe - e conversando descontraídos. Era sexta feira e combinávamos uma ida ao Payssandu no dia seguinte para jogarmos qualquer coisa e, principalmente, continuarmos a beber cerveja.

De repente comecei a ficar tonto e não era nenhum efeito alcoólico. Passei a mão na testa e ela veio encharcada de suor e não era para tanto, pois embora fosse pleno verão, o dia não estava dos mais quentes. Ondas de um calor incomum começaram a varrer meu corpo sem atingir mãos e pés que insistiam em cada vez mais ficarem gelados e molhados. Em segundos eu estava imerso em suor por inteiro e a tonteira já estava passando dos limites do tolerável. O coração, aparentemente descompassado, cada vez mais fazia questão de se fazer notar com um batuque frenético que fazia meu corpo inteiro tremer, e o estômago insistia em dar a falsa impressão de estar vazio apesar de todos os problemas que devia estar tendo para digerir aquela quantidade toda de alimentos. Uma sensação insuportável de falta de ar fazia meus pulmões trabalharem num ritmo alucinante induzindo nariz e boca a tentarem buscar cada vez mais ar para abastecê-los. A visão cada vez mais se estreitava e a audição diminuía até o ponto de não ver nem ouvir mais quase nada ao meu redor, apenas luzes e balbucios.

Eis que, no meio desse caos físico, entra em cena o protagonista: o cérebro. Veio com uma sensação de insegurança rapidamente transformada em uma certeza de morte iminente. Um pavor horrendo fazia como se eu me sentisse no centro de um quarto sem portas nem janelas cercado de fogo por todos os lados. A morte era inevitável. A essas alturas o cérebro já não recebia mais os impulsos do corpo enlouquecido, pois o pânico já o tinha dominado. Não sentia mais falta de ar, tonteiras, calores, frios, taquicardias, nada. O medo de morrer era o único sobrevivente da batalha contra os sentidos e, senhor da situação, insistia em ficar indefinidamente.

O que fazer? Pessoas olhavam para mim atônitas, soube depois, sem saberem o que se passava. Minha aparência devia estar grotesca, tal e qual Dom Quixote - o cavaleiro da triste figura - quando lutava contra moinhos de vento julgando serem enormes inimigos. E eu lutava contra um grande inimigo.

Sérgio me pediu que esperasse enquanto ele ia buscar o carro para me levar para casa. Embora a distância fosse de um quarteirão até a fábrica, eu não tinha condição sequer de me mexer, estava paralisado. Até que ele chegasse, um século se passou na minha cabeça, mas O inquilino indesejado continuava lá: o medo. Entrei no carro, provavelmente sem pagar a conta do boteco ou me despedir, e começou uma outra etapa. O corpo cansado e o cérebro com suas baterias enfraquecidas foram deixando de incomodar aos poucos.

Mas, uma surpresa: a capacidade de recuperação deles foi fantástica. Ao me ver dentro de um túnel, aquela balbúrdia toda voltou de repente, a plena carga. Tudo o que tinha me livrado há dez minutos voltara. Deve ter sido o túnel mais longo da história. Cheguei a arrancar meus cabelos de desespero.

Ao chegar em casa meu corpo tremia inteiro e minha cabeça doía muito, não sei se dos puxões de cabelo ou do esforço mental a que fui submetido. Eu ardia em febre com quarenta ponto qualquer coisa, mas já me sentia seguro. Tomei uma aspirina, deitei e me cobri. Meia hora depois nada mais sentia e a febre já não existia. Era como se nada tivesse acontecido. Eu estava exausto, mas com uma sensação incrível de bem-estar, apesar de estar querendo decifrar o enigma desse ataque.

A partir desse dia, começou o meu inferno, que duraria intermináveis 25 anos.

Continua em breve com “Síndrome do Pânico II – A Via Crucis”







SÍNDROME DO PÂNICO II – A VIA CRUCIS I

22/09/2008 - 16h12m


“Precauções: o risco de suicídio é inerente à depressão grave e pode persistir até que ocorra remissão significativa. Há relatos de que os antidepressivos, em raras ocasiões, exacerbam tendências suicidas. Um estudo em que LUDIOMIL foi administrado como tratamento profilático para depressão unipolar sugeriu um aumento no comportamento suicida do grupo tratado. Relatou-se que LUDIOMIL é comparável a outros antidepressivos, em termos de associação à superdosagem fatal.” Bula do Ludiomil.

Como o meu primeiro ataque de pânico foi numa sexta-feira, fiquei meio que de molho no fim de semana, curtindo meu filho de quatro meses. Se saí, foi só para dar uma volta no quarteirão com ele.

Na segunda-feira às seis e meia da manhã, já esquecido do episódio, lá fui eu trabalhar. Melhor dizendo: tentar. Entrei no carro e, na primeira esquina, voltou tudo à cabeça. Comecei a suar, faltou-me o ar, enfim, o mesmo “pacote” de sexta tomou conta de mim. Sem alternativa – não dá para pensar em nada nessas horas –, voltei para casa e, depois de me recuperar mais uma vez, pensei cá comigo que seria bom eu procurar meu médico, afinal, eu tinha uma família para sustentar e uma fábrica que me dava muito trabalho para tocar.

Se hoje ninguém se entende quanto à Síndrome, o que dizer em 78, quando a doença – vou tratá-la assim porque é assim que eu a entendo – nem sequer existia para a medicina? O doutor fez o de praxe, me pedindo exames de sangue, urina e fezes, eletros do coração e do cérebro, que nada revelaram. O resultado foi apenas uma receita de Lexotan – acho que era essa a “novidade” na época – e a recomendação para andar na praia. Como se eu conseguisse chegar na praia, apesar de morar a um quarteirão dela...

Como a solução “caseira” do médico obviamente não adiantou nada e os ataques eram cada vez mais freqüentes, resolvi procurar entre os “doutores de cabeças” e fui parar na mão de um psiquiatra, extremamente conceituado – era presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria –, que me receitou de cara um antidepressivo (Ludiomil) e um ansiolítico que não me lembro o nome (assim até eu sou médico: se não for ansiedade é depressão...). No final de uma semana tomando essas bombas, que me deixaram mais transtornado do que eu já estava, voltei ao psiquiatra e disse que eu preferia voltar ao estado anterior, apenas de extrema ansiedade em vez de me transformar em um zumbi elétrico entre a sonolência e o pânico. E o doutor suspendeu o ansiolítico.

Não é preciso dizer que, se o que eu tinha era ansiedade e não depressão, o tal Ludiomil me deixava eternamente em pânico, agravado pelo fato de ter lido sua bula e descoberto muito mais contra-indicações do que indicações. Aliás, até hoje eu não entendo por que os médicos insistem em receitar remédios que podem induzir ao suicídio sem atender as recomendações das bulas, que sugerem que o medicamento não fique à disposição dos pacientes, ou seja, a família deve ser avisada.

A respeito disso, um parêntese: o ator australiano Heath Ledger, encontrado morto em seu apartamento de Nova York no dia 22 de janeiro de 2008, segundo os médicos forenses “faleceu por intoxicação aguda em função do efeito combinado de oxycodona, hidrocodona, diazepam, temazepam, alprazolam e doxylamina".

Então vamos lá. Segundo consta, todos esses medicamentos são controlados e foram prescritos por médicos.

· A oxicodona é um opióide agonista. Eles são alguns dos analgésicos mais eficazes que existem e, diferente de outros, têm um efeito que cresce conforme aumentam as doses. Isso significa que, quanto mais você tomar, melhor vai se sentir. Pode ser perigosamente viciante.
· A hidrocodona é um outro derivado opiáceo que se liga a receptores em vários lugares do sistema nervoso central e altera processos que afetam tanto a percepção da dor como a resposta emocional à mesma. Indicado no tratamento da dor moderada e severa.
· Diazepam, temazepam e alprazolam pertencem a um grupo de medicamentos chamados benzodiazepínicos. Aliviam a ansiedade, a tensão nervosa e, em conseqüência, facilitam o sono. Além disso, produzem relaxamento muscular. Não podem ser administrados em pacientes com hipersensibilidades aos benzodiazepínicos ou a pacientes dependentes de outras drogas, inclusive o álcool, exceto, neste último caso, quando utilizados para os sintomas agudos de abstinência.
· A doxilamina é uma antagonista do receptor H1 da histamina com propriedades sedativas pronunciadas. É usado em alergias e, como antitussígeno, antiemético e hipnótico.

Quais teriam sido os critérios dos médicos ao por todas essas drogas à disposição de um paciente com problemas psíquicos? Ledger morreu quando estava sozinho, portanto, ninguém da família ou mesmo de amigos deve ter sido alertado por algum médico sobre o perigo que ele corria com esse coquetel à mão.

Mas, voltando ao meu caso, eu ia ao consultório do doutor duas vezes por semana, a troco de uma suposta psicanálise que logo se revelou absolutamente inócua e cômica. A cada sessão parecia que o tal doutor-presidente dos psiquiatras incorporava Freud e escarafunchava minha memória em busca de algo, que mais tarde eu descobri que era sexo e, enquanto ele não se certificou que eu não tinha comido a minha mãe, nem sodomizado meu pai e nem tampouco feito um sessenta-e-nove com a minha avó, não sossegou. Só após ter plena certeza que eu era sexualmente normal, aí sim, eu tive alta. Detalhe: eu não tinha melhorado nadinha e continuava cada vez mais engaiolado em casa, com medo se sair à rua sozinho. Tanto que tive que contratar um motorista particular para, principalmente, me levar aos médicos.

Recebi a tal “alta” com surpresa e argumentei que eu continuava panicado, mas o doutor foi inflexível – meu bolso agradeceu – e me recomendou uma terapia comportamental (é assim que se chama?) chamada “Método do Doutor Schultz”, que eu vim a descobrir ser uma cópia descarada da Laya-Yoga, uma técnica de relaxamento, com apenas uma diferença: quando se obtém o relaxamento total - o estado alfa - o psicoterapeuta induz o paciente a se lembrar de coisas desagradáveis, que lhe causem desconforto, mas como a “vítima” está lá, deitadinha, tranqüila em alfa, não sente os efeitos que as situações reais lhe causariam.

A princípio a coisa fazia sentido e eu tive alguma melhora, mas nada que me permitisse grandes autonomias – eu continuava dependente dos outros para sair e até mesmo para ficar em casa. Mas, aproximadamente no sexto mês desse “tratamento”, o médico que o ministrava morreu e lá fui eu em busca de outros horizontes.

Continua com “Síndrome do Pânico III – A Via Crucis II”







SÍNDROME DO PÂNICO III – A VIA CRUCIS II

22/09/2008 - 16h12m


“Classificação científica: o Transtorno do Pânico foi diagnosticado como doença em 1980, por meio de uma publicação da Associação Americana de Psiquiatria chamada DSM III (Diagnostic and Statistical os Mental Disorders 3rd Edition). A partir daí, ela passou a fazer parte dos chamados transtornos de ansiedade, ao lado de estresse pós-traumático, ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo e fobias. Atualmente, o Transtorno do Pânico é reconhecido também pela OMS (Organização Mundial de Saúde), ganhando o CID (Classificação Internacional de Doenças) de nº 10.”

Os meus dois primeiros “tratamentos” foram feitos em consultórios do Sanatório Botafogo, cuja sala de espera comum a todos era a própria recepção do sanatório. Quando fui me consultar pela primeira vez, não sabia que por lá transitavam quase todos os internos do estabelecimento, inclusive alguns perigosos. Eu só estranhava de vez em quando ouvir gritos histéricos vindos de algum lugar. Mas depois de um ano, indo pelo menos uma vez por semana, tenho uma coleção de lembranças manicomiais de respeito, como a de uma moça aparentemente “normal” que sentou ao meu lado, desenvolveu uma conversa absolutamente coerente dizendo que era estagiária de psiquiatria e, sem mais nem menos é segura por dois brutamontes vindos de não sei onde, vestidos de enfermeiros, que queriam enfiar-lhe a todo custo uma camisa de força, os quais ela, franzina, derrubou no chão com um só tranco e desatou a correr até ser pega novamente. Ou ainda mais estranho, o sujeito que de vez em quando escapava do seu quarto e saía correndo nu, com o pinto em posição de sentido e agarrando quem podia até ser pego. Fora os que, com facas e garfos, ameaçavam os outros e brigavam entre si.

A visão daquilo não era nada agradável e eu tinha tanto medo de estar lá que esquecia do pânico, por paradoxal que pareça.

Forçadamente livre da sala de espera do sanatório pela morte do meu psicoterapeuta, fui procurar outros tratamentos, já que o falecido era o único que usava o tal “Método do Doutor Schultz”, que tinha me ajudado um pouquinho, e o caminho da vez foi a psicanálise, muito em moda na época como panacéia universal. E lá fui eu, por indicação do primo do filho do irmão do vizinho, ao “melhor psicanalista do Rio”. Parece que lá pelo fim dos anos 70 havia um empate técnico no primeiro lugar entre todos os psicoqualquercoisa da cidade. Todos eram “os melhores”.

Confesso que já fui meio descrente porque os relatos das “curas” dos pacientes de psicanálise sempre falavam que fulano está há oito anos em tratamento, mas agora já consegue comer cocô com garfo e faca em vez de usar só as mãos. Tudo muito demorado. Mas lá fui eu.

De cara, eu não gostei da cara do cara: uma mistura de cobra-d’água com cabo de guarda-chuva de uma antipatia atroz. Sentamos frente a frente e, após um minuto de silêncio, já que o beldroegas não falava, eu desembuchei, dizendo a que tinha vindo, expliquei meus ataques de pânico e falei sobre as terapias anteriores. Esgotado o meu assunto, calei e fiquei aguardando uma resposta. Mais um minuto de silêncio e resolvi perguntar se ele achava que meu caso tinha jeito ou eu iria viver eternamente com essa ansiedade.

Foi então que ele balbuciou:

- E o Ricardo, o que acha disso?

Meio que sem entender a pergunta, perguntei:

- Ricardo... que Ricardo?

Mais um minuto de silêncio e, como ele não manifestasse nenhuma reação, perguntei:

- Ricardo, eu?

- Sim, quem mais? – Disse a figura, dessa vez um pouco mais rápido na reação.

A vontade que tive foi dizer “a sua mãe, seu calhorda”, mas como a noblesse oblige, resolvi ser educado e argumentei que se eu “achasse” alguma coisa sobre a minha doença eu não teria vindo procurá-lo. E ele respondeu:

- Mas quem vai resolver esse problema é o próprio Ricardo.

- Então, boa tarde. Resolvo sozinho mesmo. – Falei e saí porta afora.

Que figura! Aonde já se viu alguém tratar seu interlocutor como uma terceira pessoa? Eu acho que esses psicomerdas ficam tão inseguros de tanto ouvir os problemas alheios que acabam tendo que desenvolver carapaças autoprotetoras que os transformam em verdadeiras caricaturas.

Meu périplo continuou e, após três ou quatro tentativas, eu acabei achando um que pelo menos conversava comigo como gente normal. É claro que essas tentativas anteriores não deram em nada, mas, pelo menos, enriqueceram meu folclore. Em uma delas, o analista andava de um lado para o outro do consultório, falando sem parar e, cada vez que chegava a uma das extremidades da sala, tocava em um objeto: ora um cinzeiro, ora um bibelô, ora um bloco de receitas... E depois, o maluco era eu!

Os outros dois, que eu lembre, eram ortodoxos e me obrigavam a ficar deitado no famoso divã a olhar para o teto sem ter o que falar, enquanto eles ficavam sentados em uma poltrona atrás da cabeceira, igualmente mudos. E eu a gastar dinheiro com essas enganações, enquanto minha situação não melhorava nada. Eu já havia abandonado os remédios há algum tempo e, de certa forma, já tinha combinado uma convivência semi-pacífica com meu pânico, estabelecendo as normas para a minha reclusão, o que me dava alguns momentos de paz.

Minha situação financeira ainda era estável pelo dinheiro que recebia da venda da fábrica, que minha mãe tinha providenciado sem o meu conhecimento, mas que eu acabei concordando em assinar por dois motivos: o primeiro e óbvio é que eu não conseguia trabalhar devido ao pânico e o segundo, a preocupação dela comigo, caso eu voltasse, em acontecer a mesma coisa que aconteceu com meu pai, ser assassinado. É claro que, nessas circunstâncias, minha mãe, sem saber o quanto valia a fábrica, fez um péssimo negócio – financeiramente falando – assessorada por “amigos” do meu pai. Muy amigos... Mas não importou. Eu sempre tive uma relação conflituosa com dinheiro: ele sempre viveu me abandonando. Nunca liguei muito, infelizmente.

Voltando ao psicanalista que conversava comigo como gente “normal”, nós passamos mais de um ano, duas vezes por semana, em papos intermináveis e interessantes. Volta e meia conversávamos sobre o assassinato de meu pai e, numa dessas conversas, desatei a chorar qual bezerro desmamado para depois me lembrar que, depois do crime eu não chorei e continuava assim desde então. Foi um alívio, com certeza, mas infelizmente temporário, pois as minhas lágrimas só extravasaram um sentimento, não sei por que, contido durante três anos, de nada adiantando para a minha melhora do pânico. As ameaças continuaram e eu também desisti deste.

Não era possível – pensava eu – que não houvesse uma saída para meu problema que não passasse por sessões eternas de psicanálise ou pela alternativa de viver dopado. Até então, meu mal nem sequer tinha um nome, que dirá um tratamento.

Continua com “Síndrome do Pânico IV – A Via Crucis III”.







SÍNDROME DO PÂNICO IV – A VIA CRUCIS III

22/09/2008 - 16h11m


“O cardiologista não tem, como o analista, dez anos para curar o doente. Ou melhor: - dez anos para não curar. Não há no enfarte a paciência das neuroses.” Nélson Rodrigues

Como eu disse antes, face à inocuidade dos tratamentos, eu e o pânico estabelecemos uma relação de boa vizinhança: eu não o provocava e ele não me incomodava. Acontece que, para tanto, eu dependia de uma série de coisas que me incapacitavam para uma vida normal. Não saía de casa sozinho, a não ser para ir ao boteco da esquina, passei a evitar, mesmo acompanhado, visitas às casas de amigos e parentes, reuniões, teatro, enfim, tudo que eu gostava de fazer. Para alguns, virei fresco, mal educado e ingrato, quando não era nada disso, eu só não queria passar mal, dar vexame. Eu tinha muita vergonha de tudo, mas fazia de tudo para não dar na pinta e talvez isso tenha me ajudado, e muito, tanto que muita gente não acredita até hoje quando eu falo que tinha a síndrome (a rigor, tenho ainda, mas depois explico).

A minha “prisão domiciliar” auto-imposta, não pode nem deve ser confundida com depressão. Eu sempre tive obsessão pela vida, mesmo em uma gaiola. Tanto que, sempre que possível, eu aumentava um pouco a distância entre as grades, como quando fui trabalhar em um escritório de arquitetura de um amigo, bem perto de casa ou como quando abri um escritório próprio, do mesmo ramo, também nas imediações.

Burros n’água dados com meu escritório, três apartamentos vendidos, Sarney mandando ver na inflação e eis que eu resolvi me encher de coragem – o que não faz um bolso vazio... – e saí a procurar o que fazer. Negociei com meu pânico uma maior autonomia, e lá fui eu. Dei muita sorte ao procurar a pessoa certa na hora idem e fui admitido como administrador de uma obra gigantesca da Delfin. Eram 15 mil apartamentos sendo construídos na Barra, bem em frente ao Rio das Pedras.

Olha a dificuldade: eu, engaiolado, ter que “viajar” de Ipanema até a Barra para trabalhar, todos os dias. O bolso falou mais alto - o salário e os benefícios eram mais que tentadores - mas só eu sei quantas vezes a tal negociação com meu pânico não deu certo e eu tive que parar no meio do caminho até que uma crise parasse ou pedir a um secretário que me trouxesse de volta para casa. Era mais de um leão morto por dia.

Mas, quis o destino que em 82 houvesse a intervenção na Delfin e eu passasse a ser chefiado por um interventor corrupto que, além de negociar falcatruas em seu próprio benefício – isso eu vi – tinha a intenção de botar um sobrinho seu no meu lugar. Para tanto, a figurinha asquerosa deixou de pagar a energia, os telefones e o abastecimento de água da obra, além de atrasar sistematicamente o pagamento dos operários nas sextas-feiras, o que me proporcionava, uma vez por semana, a desagradável tarefa de “enfrentar” pelo menos cem pessoas que dependiam desse dinheiro, protestando na porta do meu escritório, que dava para um imenso pátio onde eles se reuniam. Por mais que eu falasse a eles que a Delfin não era minha e nem mais de ninguém, eu não conseguia, para eles, deixar de ser o principal culpado pelos atrasos.

Ataques e mais ataques de pânico, agravados pelo stress da situação, foram me minando. De nada adiantavam os relatórios semanais que eu enviava ao interventor, muito menos os telefonemas nunca atendidos ou as minhas idas ao bunker do larápio que nunca me recebia, até que um dia eu resolvi fazer plantão por lá, chegando às sete da manhã e decidido a não sair enquanto não fosse recebido. Deu certo e eu expliquei a ele a situação, dizendo que, da maneira como as coisas estavam, não havia condições de trabalho para mim. Resposta: “Se o senhor não está satisfeito com o seu trabalho, peça demissão”.

Como eu sou idiota o suficiente para agir por impulsos, nem lembrei que ninguém pode ser demitido de uma empresa sob intervenção e emendei: “Então tá pedida!”. Enquanto todos os outros funcionários da Delfin foram absorvidos pela Caixa Econômica Federal, eu, o mártir de mim mesmo, fiquei na mer$#%*da. É claro que o sobrinho do interventor foi colocado no meu lugar e, segundo os sobreviventes que ficaram na obra, nunca apareceu por lá.

E o dinheiro indo... Como eu já não tinha mais condições financeiras de tentar tratamentos tradicionais, todos caríssimos, comecei a procurar pelos alternativos e, confesso, fui até a um centro espírita, contrariando a mim mesmo. Cheguei lá e tomei um chá de cadeira de mais de duas horas, para depois ser atendido por um “médium” que – não é piada – me recomendou não comer alface.

- Peraí, seu médium, alface? Eu sou alfaçófago desde a mais tenra idade e, além disso, a alface tem propriedades tranqüilizantes!

É claro que eu não disse isso com essas palavras, mas foi mais ou menos.

- Sim senhor, evitar alface. E fazer cromoterapia com a cor lilás na coluna. – Respondeu o médium.

Pombas, logo lilás?!... Eu acho que não preciso dizer que o meu destino imediato foi, mais uma vez, a porta de saída. Eu sabia que não deveria ter ido lá.

Tentei a acupuntura com um chinês maluco que não falava uma palavra de português. O sujeito começava a sessão com uma pancadaria que me estalava todos os ossos. Puxava o pescoço para um lado e para o outro, para cima e para baixo com uma violência tal que eu cheguei a temer pela sua permanência acima dos meus ombros. Fora isso, as agulhas eram ligadas a fios que me davam choques intermitentes e ainda por cima o china me aplicava injeções de Vitamina B2 nas costas e nos joelhos!

A coisa toda até que dava um certo alívio, principalmente quando ele ia embora da minha casa. Sorte que ele sumiu – deve ter sido morto por algum paciente, em legítima defesa.

A essas alturas do campeonato, já com três filhos, um casamento em pandarecos, sem dinheiro e uma doença que não ia embora, a garrafa era minha melhor companhia. O problema era sempre o dia seguinte quando o pânico e a ressaca se juntavam para me aporrinhar.

Continua com “Síndrome do Pânico V – O Recomeço”







SÍNDROME DO PÂNICO V – O RECOMEÇO

22/09/2008 - 16h10m


“Os sintomas da depressão são muito variados, indo desde as sensações de tristeza, passando pelos pensamentos negativos até as alterações da sensação corporal como dores e enjôos. Contudo para se fazer o diagnóstico é necessário um grupo de sintomas centrais:
Perda de energia ou interesse
Humor deprimido
Dificuldade de concentração
Alterações do apetite e do sono
Lentificação das atividades físicas e mentais
Sentimento de pesar ou fracasso

Outros sintomas que podem vir associados aos sintomas centrais são:
Pessimismo
Dificuldade de tomar decisões
Dificuldade para começar a fazer suas tarefas
Irritabilidade ou impaciência
Inquietação
Achar que não vale a pena viver; desejo de morrer
Chorar à-toa
Dificuldade para chorar
Sensação de que nunca vai melhorar, desesperança...
Dificuldade de terminar as coisas que começou
Sentimento de pena de si mesmo
Persistência de pensamentos negativos
Queixas freqüentes
Sentimentos de culpa injustificáveis
Boca ressecada, constipação, perda de peso e apetite, insônia, perda do desejo sexual”.
Psicosite.

Estávamos em 84 e eu já era mais ou menos compreendido quando falava da minha doença, embora a maioria achasse que era apenas uma questão de um calmantezinho aqui e uma água com açúcar ali. Nem os doutores de cabeça tinham ainda a mais vaga noção do que ocorria em um panicado. Uns continuavam achando que a psicanálise era o caminho, outros que as “bombas” medicamentosas do tipo sossega-leão eram a solução e, ainda bem que, outros não paravam de pesquisar sobre o assunto. No entanto, não havia nada de novo entre o céu e a terra que pudesse ser considerado como um tratamento específico e eficiente para a Síndrome do Pânico. Continuavam – e muitos continuam até hoje – a assossiar a ansiedade causada pelo pânico à depressão. Os sintomas citados acima, em itálico, nunca fizeram parte da minha vida, nem mesmo a “dificuldade de chorar”. Eu só chorei dois ou três anos após a morte do meu pai porque aquela era a hora. Nunca tive vontade de fazê-lo antes.

Durante esses longos, e até então, seis anos de pânico, foram vários, incontáveis os ataques e que eu sempre vivi em constante ansiedade ante a iminência de mais um. Não havia previsibilidade, não tinha hora nem lugar para acontecer a não ser que eu estivesse bêbado – nunca aconteceram – ou de ressaca – sempre aconteceram.

Eu precisava arranjar o que fazer para poder sair de casa e assim evitar mais brigas conjugais, ruins para todos, principalmente para os meus filhos, então arrendei um bar e juntei a fome com a vontade de comer - bebida direto do produtor ao consumidor era tudo que eu queria - e passei a beber cada vez mais em quantidades industriais. Eram cerveja e Gin - um de cada vez, é claro – da manhã até a madrugada.

Meu horário de trabalho passou a ser das sete da manhã às dez, onze da noite, com direito a esticadas noturnas para fazer a única refeição do dia, reduzindo minha estada em casa a umas quatro ou cinco horas. É claro que isso evitava as brigas domésticas diárias, mas cada vez mais enterrava o meu casamento.

O pânico, eu achei que tinha morrido afogado no álcool, não sentia mais nada. Pudera! Eternamente dopado eu não podia sentir nem mesmo uma paulada na cabeça. Apesar disso tudo, eu tinha a certeza que aquilo não era vida. Eu daria tudo para voltar a ser um cara normal, como era seis anos antes, e foi aí que eu tomei a decisão mais importante da minha vida: resolvi me separar da minha mulher, para o bem de ambos e dos meus filhos. Decidir não foi difícil, porque eu peguei uma mochila, botei duas cuecas, duas camisetas e simplesmente disse “fui”, sem nenhuma objeção, porque a separação já era uma coisa tácita e nós apenas vivíamos sob o mesmo teto. Difícil foi segurar a barra da ausência dos filhos.

A minha sorte com as coisas mentais e afetivas sempre foi inversamente proporcional à sorte no campo material e, um dia após a separação, um grande amigo de infância e compadre, padrinho do meu filho mais velho, soube do fato e fez questão que eu me hospedasse na casa dele, também recém-separado. Era um pu#$%*ta apartamento no Alto Leblon e o quarto que me coube dava de cara para uma mata repleta de micos, sabiás, beija-flores e cambacicas. Eu estava de frente para a natureza, uma coisa que faz muito bem (pelo menos deveria fazer) a qualquer pessoa. O único inconveniente era a dificuldade da minha própria natureza se habituar a morar “tão longe” da minha gaiola, mas aos poucos o meu pânico foi se acostumando.

Não foi preciso mais de uma semana para que eu descobrisse que o meu amigo se embriagava tanto quanto eu para fugir dos problemas dele – tinha uma namorada casada e era apaixonado por ela –, mas, por incrível que pareça, aos poucos fomos diminuindo o goró. Talvez por vergonha da imagem ridícula que um tinha do outro quando bebíamos juntos e à vera.

Nesse meio tempo aconteceu a coisa mais importante da minha vida: eu me apaixonei por um anjo em forma de mulher e não sosseguei enquanto não a roubei do seu namorado. Eu já a conhecia há uns seis meses e costumávamos sair juntos, em grupo, para tomar uns chopes, até que um dia eu tive a certeza que era ela a parte que faltava em mim. A partir daí, não medi esforços para conquistá-la e parece que fui convincente, porque estamos casados até hoje.

É preciso uma boa dose de loucura para gostar e aceitar um homem duro, panicado e com três filhos. Mas ela teve.

Continua com “Síndrome do Pânico VI – Um Longo Caminho”







SÍNDROME DO PÂNICO VI – O LONGO CAMINHO ATÉ A MELHORA

22/09/2008 - 16h09m


"Transtorno do pânico é um problema sério de saúde. Este distúrbio é nitidamente diferente de outros tipos de ansiedade, caracterizando-se por crises súbitas, sem fatores desencadeantes aparentes e, frequentemente, incapacitantes. Depois de ter uma crise de pânico - por exemplo, enquanto dirige, fazendo compras em uma loja lotada ou dentro de um elevador - a pessoa pode desenvolver medos irracionais (chamados fobias) destas situações e começar a evitá-las. Gradativamente o nível de ansiedade e o medo de uma nova crise podem atingir proporções tais, que a pessoa com o transtorno do pânico pode se tornar incapaz de dirigir ou mesmo pôr o pé fora de casa. Desta forma, o distúrbio do pânico pode ter um impacto tão grande na vida cotidiana de uma pessoa como outras doenças mais graves - a menos que ela receba tratamento eficaz e seja compreendida pelos demais."
Isso tudo é absolutamente verdade e foi o que ocorreu comigo.

Antes mesmo de começar meu novo casamento, eu fiz questão de explicar bem a minha doença para evitar reclamações posteriores. A auto-exposição já não me incomodava. Era melhor deixar previnidas as pessoas que me cercavam do que assustá-las com as crises ou magoá-las com algumas recusas inexplicáveis.

Casado de novo, as coisas aos poucos foram mudando. Minha “gaiola” aumentou consideravelmente, principalmente depois do quarto filho, uma menina, e da vinda dos outros três para morar comigo. Era um pandemônio maravilhoso que quase não me deixava tempo para sentir ansiedade. Minha mulher entendeu de imediato a exata dimensão do meu problema e sempre procurou me ajudar, sem, no entanto, interferir, dizendo que eu deveria fazer isso ou aquilo.

Convenientemente, inverteram-se os papéis: virei mãe – como sofre uma mãe - quase full-time enquanto minha mulher trabalhava. A ansiedade já era suportável - eu não tinha tempo para ela -, mesmo sem nenhuma medicação, mas as crises continuavam sem aviso prévio e sem explicação. Em todo caso, já era um avanço. Apenas um estranho mau humor incomodava, não a mim, mas aos outros, principalmente à empregada, coitada, que era meu saco de pancadas. Estranho.

Esporadicamente eu tentava algum médico que sempre dizia: “isso é mole!”, mas eu sempre quebrava a cara. O último dos “sabichões” foi um neurologista bem famoso que colecionava Mercedes-Benz, lá por volta de 94, que encerrou esse ciclo peregrinante ao me receber para uma consulta tomando Lexotan com uma taça de vinho tinto. Depois dessa eu desisti de rasgar dinheiro.

Filhos já bem crescidos, um foi para os Estados Unidos para trabalhar e estudar, eu recomecei a produzir. Aproveitei meus estudos de arquitetura e fiz algumas coisas em design gráfico e, com a Internet emergindo, elaborei alguns websites. A ansiedade continuava bem branda e, espantosamente, as crises de pânico foram se espaçando tanto que eu até pensei estar curado, lá por volta de 2000. Ledo engano.

Um belo domingo, bem cedinho, fiz o que vinha fazendo há tempos e peguei minha bicicleta para uma volta na ciclovia. Eu estava de bem com a vida até que cheguei no fim do Leblon, quando veio um ataque de pânico de virar do avesso. Longe de casa, sem telefone, eu resolvi não parar de pedalar, dei meia volta e não me perguntem como eu consegui chegar de volta à Montenegro: não lembro de nada.

Chegando em casa eu tomei a decisão de voltar a procurar ajuda médica e, já na segunda-feira fui procurar um hipnólogo bem recomendado. Resolvi ir, até porque me lembrei do tal “Método do Doutor Schultz” e da Laya-Yoga, métodos comportamentais eficientes para a ansiedade. Tudo que eu não queria era ficar ansioso de novo, então achei melhor ficar com um paliativo até que eu decidisse que rumo tomar. As pesquisas no campo do pânico já tinham evoluído alguma coisa e eu sabia que uma nova geração de drogas específicas já estava sendo utilizada com êxito no seu tratamento.

Tudo funcionou como previsto: a hipnose – na verdade um simples relaxamento – ajudou um pouco e meu amigo e meu médico clínico geral me “intimou” a ir a um psiquiatra que, segundo ele, lidava muito bem com as drogas modernas, e que, inclusive, o livrou de um início de pânico. E lá fui eu. Comecei a explicar meu caso, com o máximo de detalhes possível, frisando bem – e arrogantemente – a minha aversão a remédios. Fui ouvido atentamente e sem frescuras por um homem que estava sentado à minha frente, dialogando comigo como se eu fosse “normal”. Já foi meio caminho andado. Eu já estava cheio de ser tratado pelos doutores como se eu fosse um débil mental que gostava de olhar o teto e falar sozinho ou como um fresco cuja doença se resolve com água com açúcar.

Eu também já estava mais que escolado com os superdoutores do “isso é mole” e, exatamente quando estava pensando em falar neles para o psiquiatra, ele me pediu que lhe desse um crédito de confiança por três meses, pois ia me receitar um remédio. Eu nunca imaginaria isso vindo dos superdoutores, pois a humildade nunca fez parte do seus receituários. Tanta consideração e modéstia me convenceram e eu dei o tal crédito de confiança. Levantei-me então e perguntei quando seria a próxima consulta. Outra agradável surpresa: o doutor me respondeu que, por enquanto, não haveria uma outra consulta, pois eu já havia dito tudo que ele precisava saber. Era só uma questão de reação ao medicamento e que, qualquer alteração minha, para pior ou para melhor, deveria ser comunicada a ele por telefone para uma melhor adequação da dose na fase inicial.

Saí, para variar, com uma pulga atrás da orelha, me perguntando como seriam esses telefonemas, se os médicos em geral só nos retornam as ligações no fim do dia e não o fazem nos fins de semana, o que revelou que esse era a exceção à regra. Meus telefonemas sempre foram respondidos no máximo em uma hora.

E não é que o tal remedinho, após os ajustes iniciais até eu me habituar à dosagem (um por dia), começou a operar milagres, mesmo não sendo receitado pelo Edir Macedo? Brincadeiras à parte, eu nem precisei esperar os tais três meses pedidos pelo doutor e saí desafiando o pânico a torto e a direito, fazendo longas caminhadas sozinho, tentando provocar crises ao lembrar das outras e foi inútil. O pânico fora vencido, pelo menos nessa batalha.

Hoje são sete anos sem ter um ataque de pânico e, o mais gozado, foi a reação da minha empregada perguntando à minha mulher o que eu tinha, já que o mau humor que eu destilava nela tinha dado lugar à gentileza.

Fui mais duas vezes ao doutor, acho que apenas para ele se certificar da minha melhora. Recentemente, eu fui ao seu consultório buscar a receita para mais três meses e, ao encontrá-lo perguntei se não estaria na hora de uma dessensibilização para poder parar de tomar a medicação, e a resposta foi não. Se eu estava bem, que ficasse assim. O remédio não vicia, não tem efeitos colaterais e nem acumula no organismo, além de ser necessário à bioquímica do meu cérebro.

Apesar de tudo, eu não posso dizer que estou curado, já que o remédio vai fazer parte do resto da minha vida. Eu diria que estou “apenas” 90% melhor.

Mas com ou sem remédios, minha sobrevivência teria sido impossível sem a minha mulher, a doida que me ama e que me proporciona há 24 anos o melhor da minha vida, sem a minha mãe, que me aturou até morrer, sem os meus filhos que tanta alegria me deram e continuam dando e sem os verdadeiros amigos que me ouvem e por mim são ouvidos - uma excelente terapia.
Continua com “Síndrome do Pânico VII – Concluindo”







SÍNDROME DO PÂNICO VII – CONCLUINDO

22/09/2008 - 16h08m


"Isso é algo que não desejo nem para meu pior inimigo".

"De repente, eu senti uma terrível onda de medo, sem nenhum motivo. Meu coração disparou, tive dor no peito e dificuldade para respirar. Pensei que fosse morrer."

"Tenho tanto medo... Toda vez que me preparo para sair, tenho aquela desagradável sensação no estômago e me aterrorizo pensando que vou ter outra crise de pânico."


Resolvi juntar alguns pontos interessantes sobre o MEU pânico em forma de dicas. Faço questão de frisar bem que é a MINHA experiência pessoal de panicado essencialmente ansioso, sem um pingo de depressão, mas a maioria das observações podem ser úteis a todos os que penam com essa titica.

Para começar eu peço licença para entrar numa área meio perigosa de definições e causas, mas como eu já me considero um pós-graduado na matéria – nem que seja pelo tempo de sofrimento, eu me permito transmitir o que eu li e ouvi de mais coerente, o parágrafo abaixo:

“O cérebro produz substâncias chamadas neurotransmissores que são responsáveis pela comunicação que ocorre entre os neurônios (células do sistema nervoso). Estas comunicações formam mensagens que irão determinar a execução de todas as atividades físicas e mentais de nosso organismo (ex: andar, pensar, memorizar, etc). Um desequilíbrio na produção destes neurotransmissores pode levar algumas partes do cérebro a transmitir informações e comandos incorretos. Isto é exatamente o que ocorre em uma crise de pânico: existe uma informação incorreta alertando e preparando o organismo para uma ameaça ou perigo que na realidade não existe. É como se tivéssemos um despertador que passa a tocar o alarme em horas totalmente inapropriadas. No caso do Transtorno do Pânico os neurotransmissores que encontram-se em desequilíbrio são: a serotonina e a noradrenalina.”

Exatamente por isso, os tratamentos analíticos e comportamentais só podem aliviar a ansiedade e, mesmo assim não satisfatoriamente. A yoga ou exercícios diversos podem fazer o mesmo efeito - ou até melhor - que as psicoterapias, só que nada disso vai resolver um problema bioquímico.

“Os sintomas são como uma preparação do corpo para alguma "coisa terrível". A reação natural é acionar os mecanismos de fuga. Diante do perigo, o organismo trata de aumentar a irrigação de sangue no cérebro e nos membros usados para fugir - em detrimento de outras partes do corpo e as principais manifestações incluem:
Contração / tensão muscular, rijeza
Palpitações (o coração dispara)
Tontura, atordoamento, náusea
Dificuldade de respirar (boca seca)
Calafrios ou ondas de calor, sudorese
Sensação de "estar sonhando" ou distorções de percepção da realidade
Terror - sensação de que algo inimaginavelmente horrível está prestes a acontecer e de que se está impotente para evitar tal acontecimento
Confusão, pensamento rápido
Medo de perder o controle, fazer algo embaraçoso
Medo de morrer
Vertigens ou sensação de debilidade.”

Tudo isso ao mesmo tempo é dose! Quem já sentiu, sabe.

Agora as minhas observações:

Não lutar contra um ataque de pânico: é inútil. O máximo que se pode fazer é, se estiver dirigindo, por exemplo, parar o carro e esperar passar. Pare tudo que estiver fazendo e não relaxe nem goze: é impossível.

O ataque de pânico não mata.

Os ataques só dão sinais em cima da hora, um minuto antes ou menos. No meu caso era uma batida meio “em falso” do coração.

Nada adianta tentar controlar a respiração, contar de um a cem ou dar cambalhotas. Ainda outro dia eu vi na TV uma mulher se dizendo especialista em pânico e recomendando que se faça doze respirações lentas ao surgir uma crise. Só pode ser piada. Se alguém conseguir pelo menos respirar, mesmo que mal, já é um adianto. Ninguém consegue pensar em absolutamente nada nessas horas.

Os ataques variam entre cinco e dez minutos. Não é uma regra, mas é mais ou menos por aí. Também não adianta olhar para o relógio, ninguém enxerga nada nessas condições.

A primeira providência que qualquer um deve tomar depois da primeira crise é consultar um psiquiatra, de preferência que tenha profundo conhecimento sobre as drogas (medicamentos). Não há outro caminho. Se não houver tratamento adequado, muitos e muitos outros ataques virão.

Hoje já há drogas bastante eficientes para tratar o pânico que, praticamente, não apresentam efeitos colaterais, a não ser um ligeiro soninho no começo do tratamento.

Nunca se auto-medicar. Nem que um suposto “curado” diga que determinado medicamento é infalível. Quem tem que dizer isso é o médico que, se for bom mesmo, saberá avaliar qual a droga mais indicada para o caso de cada um.

É fundamental que o médico inspire confiança ao paciente, mas jamais acreditar naqueles que dizem “isso é mole de curar” é essencial. Não é mole não! Eu já fui a alguns desses. São os mais ignorantes sobre o assunto.

É essencial prestar muita atenção em si mesmo. Ao passar informações detalhadas sobre si próprio ao seu médico é garantia de pelo menos 50% de sucesso no tratamento. Prestar atenção nos mínimos detalhes que pareçam estranhos, mesmo que, para o panicado pareçam irrelevantes, é essencial para um melhor diagnóstico.

Não acreditar em ervas milagrosas, chás, homeopatia ou demais tratamentos “alternativos”. Todos os panicados já fizeram tudo isso e nada deu certo.

Não ligar para palpites, opiniões, críticas ou sugestões de amigos, parentes ou conhecidos. Quem está com o seu na reta é quem tem pânico e, quem nunca teve, não pode avaliar a dimensão do problema. Mandar à mer#$%da, com todas as letras, quem fizer pouco do problema é uma boa válvula de escape.

Quem tem pânico sem tratamento é um eterno ansioso e, eu garanto que, duas doses de qualquer bebida alcoólica alivia essa ansiedade – isso é até cientificamente provado -, mas, o maior problema é ficar só nas duas doses. Portanto, se alguém é chegado em um goró, como eu, que tome muito cuidado: a sensação de alívio é diretamente proporcional ao perigo de virar um alcólatra por conta disso. E mais: é bom lembrar que a ressaca é crise certa e que o fígado é um só. O álcool não é tratamento. Tanto pode funcionar como um paliativo eficiente ou como um inimigo mortal. É bom não arriscar. A história de “não ter ressaca – manter-se bêbado” é piada de mau gosto.

Um ligeiro colírio: não compensa o sofrimento, mas a sensação logo depois de se passar por um ataque de pânico é quase a de um orgasmo.

Até que enFIM!